Páginas

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

HÁ OS QUE QUEREM, E OS QUE QUEREM MESMO

Muito tempo atrás, escrevi um texto em que eu diferenciava o querer do querer mesmo – o verbo acompanhado do advérbio de afirmação. Ou seria advérbio de intensidade? Acho que de intensidade.
Querer, a gente quer muita coisa, mas quase sempre é um querer preguiçoso, que não nos impulsiona a agir. Querer mesmo significa abrir mão de uma série de confortos, tomar muito chá de banco e ver inúmeras ideias darem errado antes de darem certo – se é que darão certo. Querer mesmo escalar uma montanha, surfar uma onda gigante, filmar um documentário, trabalhar no Exterior e outras aventuras supostamente inatingíveis.
Anos depois, escrevi uma crônica chamada Escritor Mesmo, reconhecendo a distância que havia entre mim e aqueles que colecionam prêmios, têm alto padrão intelectual, são catedráticos, virtuoses da língua e candidatos fortíssimos à Academia Brasileira de Letras. Eu? Sou nada disso.
Agora faço uso novamente do advérbio para diferenciar não os escritores, mas os leitores. Há aqueles que leem, e aqueles que leem mesmo – e a crônica de jornal é um bom balizador desta diferença. Na correria cotidiana, muitas vezes o leitor apenas passa os olhos pelo o que está escrito. Tudo bem. Passar os olhos, hoje em dia, já é digno de nota, mas o apressado corre o risco de se confundir. Por exemplo, domingo passado recebi uma dezena de cumprimentos pela passagem do meu aniversário, o que foi uma delicadeza, só que nasci em agosto. O que aconteceu? Aconteceu que publiquei aqui neste espaço uma crônica fictícia – um pequeno conto – com o título Algum dia, em que o personagem (masculino) sonhava em realizar vários projetos mirabolantes, porém sem jamais levantar da cama e sem perceber a passagem do tempo. A leitura do texto induzia a pensar que eram planos de um adolescente, até que, ao final, o personagem comentava que no dia seguinte completaria 58 anos.
Talvez por eu não ser uma escritora mesmo, muitos não perceberam que era um homem falando. Acharam que eu falava de mim. Que eu havia trocado de sexo, que eu tinha a intenção de morar numa praia com uma gata, que eu desejava fotografar as aves do Mato Grosso, que eu sonhava em ser guitarrista de uma banda em Berlim e que faria 58 anos no dia seguinte (a propósito, tenho 56 – não minto a idade, mas aumentá-la, isso não).
Há os que querem, e os que querem mesmo. Há os escritores, e os escritores mesmo. Há os que leem, e os que leem mesmo (pode incrementar a lista: há os que amam, e os que amam mesmo; os amigos do Face, e os amigos mesmo…). Tudo anda tão da boca pra fora, tão volátil, descartável, escorregadio, que a intensidade tornou-se um diferencial a ser comemorado.


Martha Medeiros

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

A saudável e altruísta arte de priorizar a si mesmo

Priorizar a si mesmo é uma prática saudável, útil e necessária. Colocar em prática essa habilidade não é um ato de egoísmo, porque amar essa pessoa que se reflete no nosso espelho sem desculpas, condições ou adiamentos é cuidar de si mesmo: investir no bem-estar pessoal e na qualidade de vida. Além disso, quem cuida de si mesmo como merece também pode oferecer o melhor de si para os outros.
Por exemplo, é curioso saber que o próprio Sócrates centrou parte de seus ensinamentos no conceito de autocuidado ou o que foi definido naquela época como “epimeleia heautou“. Mais tarde, Michel Foucault voltaria a se incidir nessa ideia, para aprofundá-la mais um pouco e concluir o seguinte: somente quando uma pessoa consegue se conhecer verdadeiramente, cuidando de si mesmo e se oferecendo valor, ela pode alcançar a verdadeira liberdade.

“Se você não tem amor próprio, a que amor pode aspirar?”
-Walter Riso-
A verdade é que não sabemos em que ponto e por que razão a maior parte das pessoas começou a ouvir que colocar em prática esse tipo de estratégia era um ato interesseiro e egoísta. Confundiram termos, até o ponto de nos fazer acreditar que o altruísmo e o respeito pelo outro não harmonizam nenhum pouco com o autocuidado ou com a possibilidade de priorizarmos a nós mesmos como merecemos. Algo totalmente falso.
Assim, e quase sem nos darmos conta, fomos construindo relações onde habita esse devoto sacrifício que nos faz pensar que quanto mais oferecemos aos outros, mais vão nos amar, mais vão nos valorizar. Vínculos onde o que fazemos, na verdade, é abandonar o amor próprio em uma valeta à própria sorte, sem olhar para trás, pensando que fizemos o que era certo, o que todos esperam de nós.
Vamos evitar esta prática nociva que desencadeia muitos dos nossos problemas, frustrações, ansiedades, noites sem dormir e até mesmo dores físicas…
Quem deixa de priorizar a si mesmo se sufoca
Quando uma pessoa deixa de priorizar a si mesmo para preencher sua agenda, sua mente e suas vontades com frases como “tenho que fazer isso ou aquilo”, “esperam o máximo de mim” ou “tenho que fazer isso por essa pessoa”, a única coisa que ela consegue é se sentir esgotada. Ela fica vazia de energia, de identidade, de desejos e, acima de tudo, de autoestima. O mais complexo de tudo isso é que às vezes colocamos em prática estes hábitos sem pensar, sem refletir durante um momento sobre se queremos realmente fazer aquele favor, aquele ato ou essa ação.
Os psicólogos nos explicam que caímos no automatismo do “fazer, fazer, fazer”, racionalizando essas ações como algo natural e necessário. Porque se formos úteis aos outros, seremos valiosos e porque se formos necessários para nossos entes queridos, então seremos amados. No entanto, esta regra de três nem sempre dá o resultado esperado; na verdade, são raras as vezes em que isso acontece.
O que acontece nesses casos é algo igualmente devastador e triste. Ao perceber que nossos esforços e sacrifícios contínuos não são valorizados, desenvolvemos uma visão muito crítica de nós mesmos, nos culpamos por termos sido tão ingênuos, tão devotos, por ter confiado tanto.
Às vezes essa voz interna pode ser muito cruel e, quando isso ocorre, não tarda em aparecer a somatização, traduzida como aquela dor muscular, aquele cansaço que nos tortura, aqueles problemas digestivos, aquelas infecções, aquelas dores de cabeça e até mesmo aquela queda preocupante de cabelo…
Abandonar a satisfação exclusiva das necessidades dos outros nos mancha como pessoas, nos dilui e nos drena até ficarmos vazios em termos de ânimo, esperanças e identidade. Quando isso acontece, a primeira coisa que experimentamos é um profundo cansaço físico e um denso nevoeiro mental…
Aprenda a “se servir”
Existem muitas pessoas assim, incrustadas em itinerários dos outros, como locomotivas que atravessam os trilhos de outros territórios, de outros mundos alheios ao seu. Elas levam cargas que não são suas como sendo próprias e não têm um só dia de férias; um dia para serem elas mesmas e cuidarem de si, para servirem exclusivamente aos desejos delas mesmas. Manter essa situação durante muito tempo coloca o nosso equilíbrio e a nossa saúde mental em perigo, e é por isso que recomendamos fazer uma mudança de foco nessa inércia.

Como aprender a priorizar a si mesmo em quatro passos
Tempo. As pessoas que deixaram de priorizar a si mesmas automatizaram a palavra “sim”. Diante de qualquer pedido, a palavra mágica é enunciada como um impulso impossível de controlar. É preciso colocar um freio nesse impulso; por isso, quando alguém nos pedir, sugerir ou mandar fazermos alguma coisa, o recomendável é, antes de tudo, fazer silêncio. Assim, vamos evitar dar uma resposta imediata para refletir uns minutos e avaliar com sinceridade se queremos ou não fazer o que estão pedindo. Vamos aprender a dizer “NÃO”.
Perspectiva. Para aprendermos a cuidar e a servir a nós mesmos, é necessário gerenciar a distância (aumentando ou reduzindo) de tudo o que nos envolve. Chega um momento em que a pessoa automatiza tanto a necessidade de “fazer, fazer, fazer” que perde a perspectiva. Neste sentido, dizer “não quero, não posso, hoje vou dar prioridade a mim” não é o fim do mundo.
Frases auxiliares. Nunca é demais ter uma pequena coleção de frases que podem nos ajudar em certos momentos a proteger as próprias necessidades, a identidade ou o tempo pessoal. “Sinto muito, mas agora não é uma boa hora para eu fazer o que você está me pedindo”, “Agradeço que você tenha pensado em mim para isso, mas vou dedicar um tempo a mim mesmo”, “Neste momento não estou com vontade de fazer o que você está me pedindo, preciso estar só”.
Parar certas conversas. Todos sabemos como começam as conversas que acabam com um pedido. Esses floreios em que o agrado culmina com o pedido que muitas vezes tem-se a certeza de que vamos cumprir. Uma vez que já estamos mais do que treinados nessas estratégias, vamos então acabar com elas o mais rápido possível. Vamos evitar nos esgotar e praticar a assertividade.

Para concluir, estes quatro passos não se aprendem de um dia para o outro. Se tivermos vontade e tomarmos a firme decisão de cuidar mais de nós mesmos e de entender que priorizar a si mesmo é um ato altruísta, necessário e essencial, dia após dia seremos mais eficazes nessas estratégias: manter o cuidado pelo outro, mas também por nós.

https://amenteemaravilhosa.com.br/arte-de-priorizar-a-si-mesmo

O lobo sempre será mau se só ouvirmos Chapeuzinho Vermelho

Nem tudo que ouvimos é verdade. 
Sabemos disto e portanto precisamos nos acostumar à incerteza que isto produz. Somos conscientes de que por trás de palavras amáveis às vezes se escondem interesses obscuros ou manipulações perspicazes. Por outro lado também sabemos que não é bom confundir a verdade com a opinião da maioria.
Filósofos clássicos como Platão e Aristóteles definiam a verdade como aquilo que corresponde à realidade. 
Agora o verdadeiro problema está em que a verdade é como um cristal com muitos lados que pode ser analisado de diferentes perspectivas. A minha verdade não será igual a sua, porque eu vejo o mundo através da minha experiência pessoal, das minhas emoções e das minhas tendências.

"Nem tudo que ouvimos é verdade, mas costuma-se dizer que a verdade sempre triunfa por si mesma porque a mentira precisa de muitos cúmplices."
Com frequência ouvimos essa expressão que diz “o lobo sempre será cruel se só ouvirmos Chapeuzinho Vermelho” e, se bem é verdade que não é bom dar por certa uma opinião ouvindo apenas uma voz, às vezes uma única pessoa abriga em si mesma uma verdade autêntica. Portanto, é necessário saber intuir e discernir o simples barulho da nobre franqueza.
O inquietante problema da verdade em tudo o que ouvimos

Chimamanda Ngozi Adichie é uma jovem escritora nigeriana de grande sucesso graças a livros como “Meio sol amarelo”. Em muitas das suas palestras ela costuma falar de um conceito interessante que denominou de “o perigo das histórias únicas”.
Adichie comenta como é angustiante ter que lidar com determinados discursos minoritários capazes de influenciar as grandes massas sobre aspectos que nem sequer conhecem
No seu caso, precisa corrigir todo dia aqueles que pensam que Nigéria é somente um pais de leões e girafas habitado por povos primitivos e selvagens.
As pessoas costumam ter a sensação de que as ideias que mantemos e defendemos são A VERDADE e que chegamos a elas por acaso.
Na verdade, tais construções psicológicas estão determinadas pelos ESTEREÓTIPOS assumidos e por tendências de valor adquiridas quase de forma inconsciente por muitas dessas “histórias únicas”.
É preciso saber reconhecer todas essas verdades impostas, esses estereótipos que internalizamos, e compreender que a nossa realidade é feita de vários pontos de vista, vozes e casos peculiares que levam em si mesmos a beleza dos nossos mundos.

Embora a verdade seja diminuta, continua sendo a verdade
Talvez somente Chapeuzinho possa nos revelar as más intenções do lobo, talvez somente ela levante a sua voz sobre o resto, mas como acontece muitas vezes na nossa sociedade, a verdade sempre costuma estar no coração da minoria. A falsidade, por sua vez, defendida pelas grandes massas, é mais fácil de ser assumida, pois “nos torna pessoas comuns”.

O perigo do conformismo
Solomon Asch foi um célebre psicólogo que, através de suas experiências sociais, demonstrou que nos deixamos influenciar pela opinião da maioria mesmo que esta esteja errada e o fazemos por simples conformismo.
Por trás desse comportamento tão comum em muitos dos nossos contextos sociais está na verdade um instinto ancestral do ser humano, esse que nos serviria para não sermos excluídos ou marginalizados da “grande massa”. 
Para nossos antepassados, sentir-se isolado implicava às vezes a “não sobrevivência”.

O poder dos grupos pequenos
Temos certeza de que depois de ler estas explicações você pensará que o problema de tudo está no peso dos grandes grupos sociais (políticos, mídia, grande organizações ocultas…), aqueles que nos fazem assumir certas ideias como certas quando na verdade não o são.
Agora, os psicólogos Tajfel, Billing, Bundy e Flament (1971) definiram o que se conhece como grupo mínimo para explicar como muitas vezes nossos próprios “micro mundos” familiares, de amizade ou de trabalho nos transmitem suas preferências, suas ideias e estereótipos de uma forma tão sutil, que os vamos integrando quase sem perceber.

A verdade está dentro de você
Pensar que a solução para os nossos problemas, assim como a verdade de todas as coisas, está no nosso interior é sem dúvida um pouco complicado de reconhecer. A nossa mente está cheia de preconceitos, medos e atitudes limitantes misturadas, por sua vez, a esse barulho exterior que a vida moderna nos traz.
Segundo vários textos da Grécia Antiga, no templo de Apolo em Delfos havia uma frase inscrita que sobreviveu ao passar do tempo. 
Era a seguinte: “Conheça a si mesmo e você conhecerá os deuses e o universo”.
Estas palavras nos dão um exemplo claro do que implica o autoconhecimento: é ter uma forte autoestima para saber procurar a nossa própria verdade sem cair no conformismo. É saber ouvir e empatizar com os outros para compreender o próximo assim como compreendemos a nós mesmos, e entender assim a realidade de tudo que nos rodeia. Sem medos e com sentido crítico.

A verdade está pensada somente para os corajosos, para os que ouvem, para os que se atrevem a perguntar e para aqueles que, com coração nobre, desejam conhecer a sensibilidade deste mundo.

https://amenteemaravilhosa.com.br/lobo-sempre-sera-mau-ouvirmos-chapeuzinho-vermelho

terça-feira, 24 de outubro de 2017


Um passo depois do outro, sem vacilar: é assim que a vida vai acontecendo. Alguns dias são feitos de surpresas, emoções e até contradições. Porém, a maior parte dos dias acontece dentro da normalidade. Alguns aceitam a rotina. Outros fazem as mesmas coisas, todos os dias, como se se estivessem fazendo pela primeira vez. Não importa a quantidade de ações e obrigações, o segredo reside no modo como cada um enfrenta os desafios diários.

Nem sempre o primeiro passo leva você para o rumo certo. Porém, dar um passo é ser capaz de sair daquele lugar onde você se encontra. Por causa do primeiro passo, muitos alcançaram distâncias incalculáveis, descobriram paisagens esplêndidas, conquistaram o que parecia ser impossível. Estar em movimento é simplesmente incrível. A acomodação jamais alcançará sabor aos dias. Não importa a idade, nem os problemas que você enfrenta.

O importante é não perder o desejo profundo de querer avançar. Enquanto as energias se reúnem para fortalecer a musculatura, o coração se enche de esperança para visualizar a meta. Não é bom continuar onde você está, sem tentar medicar o desânimo. Alguma coisa pode e até deve ser feita. Reinventar a esperança é um belo jeito de sair dessa posição, que há tempo causa desconforto.
Quase todos sabem onde gostariam de estar. Nem todos implementam atitudes. E sem atitudes, ninguém sairá do lugar onde não gostaria de permanecer. Sair de onde se está é uma decisão inspiradora. Depois, os passos darão conta do itinerário.


Frei Jaime Bettega

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

NÃO TER RAZÕES PARA FICAR É UMA ÓTIMA RAZÃO PARA PARTIR!

Ainda que suas mãos tremam, que seus olhos se inundam, seu coração se quebre, sua voz falhe, vá, saia de onde nada mais lhe roube sorrisos, de onde somente existe vazio e dor, solidão e mágoa.
Uma das decisões mais difíceis de todo ser humano é tomar a iniciativa de partir, ir embora, deixar para trás.
Isso porque se acomodar ao que supostamente já faz parte de nossas vidas é mais fácil do que quebrar as correntes das ilusões que nos aprisionam numa redoma de falso conforto. Quando nada mais nos faz sorrir, é hora de partir.
Quando os dias se arrastam, as horas se eternizam, os segundos não chegam, fazendo com que ansiamos pela cama, pelas luzes apagadas e pelo silêncio que não machuca. Quando o ambiente se carrega de peso, dificultando o nosso respirar tranquilo, amedrontando os nossos passos, calando nossa voz e nossos sonhos. É hora de partir.
Quando o trabalho se torna mera repetição, em que nada se cria, nada motiva, nada alegra, forçando-nos sorrisos teatrais, palavras sem verdade, ausência de coleguismo. Quando nos sentimos menos, não nos valorizam, não nos pedem nada, tampouco nos enxergam, como se ali tivéssemos o mesmo valor de um móvel barato. É hora de partir.
Quando a amizade enfraquece, distancia-se, fria e cortante, sem volta, sem retorno, sem cumplicidade. Quando não se lembram de nos chamar, de nos ligar, de nos dizer um mero oi, enquanto somente nós nos esforçamos por encontros, conversas, risadas, em meio a mensagens não visualizadas, telefonemas não atendidos, convites sem resposta. É hora de partir.
Quando damos as mãos ao vento, quando olhamos nos olhos que se desviam, quando não nos sentimos gente ao lado de quem está ali por mera formalidade, como se fosse uma obrigação a convivência. Quando não há mais procura, nem escuta, tampouco diálogo; quando temos que implorar, gritar, caso tenhamos que obter um pingo – meio pingo – de atenção.
Quando a reciprocidade ficou num passado distante, junto com a verdade. É hora de partir.
Ainda que suas mãos tremam, que seus olhos se inundam, que seu coração se quebre, que suas pernas pesem, que sua voz falhe, vá, saia de onde nada mais lhe roube sorrisos, de onde somente existe vazio e dor, solidão e mágoa. À medida que caminhamos em busca do que nos torna felizes de fato, tudo se vai ficando mais leve, mais calmo, mais lúcido. Porque ficar com medo jamais será capaz de nos trazer o prazer de ir ao encontro de uma felicidade possível, verdadeira, merecidamente nossa. Vá.

Marcel Camargo

terça-feira, 3 de outubro de 2017

VOCÊ NADA TEM A VER COM O ORGASMO FEMININO

Você se julga responsável pelo orgasmo feminino, então comete um erro primário. Você não faz uma mulher gozar, ela goza sozinha. O prazer dela não tem nada a ver com o que fez ou deixou de fazer. Não é uma tela onde, ao final, assina o nome. Não é um poema onde registra a autoria. Não adianta contar aos amigos a façanha, a proeza não é sua.
Pode assistir de camarote. Pode ter a honra de vê-la se amando. Mas o show é dela, o palco é dela, todo homem será sempre um espectador.
Não é algo que se leva para o currículo amoroso ou destinado a fortalecer a vaidade.
O orgasmo feminino acontecerá com ou apesar de você.
Ela mesmo se completa. O que pode ocorrer felizmente são dois inteiros se encaixando e transbordando. Duas autonomias convergindo e encontrando a liberdade do movimento.
O jardim é dela, e ela é a única jardineira. Ela é que se planta e floresce. Ela é que se conhece e se poda.
Respeite o direito dela de ter ou não ter prazer, de fingir ou de ser autêntica, de estar com vontade ou perder a vontade.
Dê tempo em vez de censurar. Dê os braços e as pernas para que ela possa cumprir as suas coreografias. Use o corpo inteiro e não somente um membro. Mais que isso é desnecessário.
Não existe fiador ou dependente. Não existe menor ou maior. Não existe passivo e ativo. Não existe caridade e provedor no sexo. Não caia na conversa machista de que você manda, e ela obedece. Ambos mandam e obedecem na mesma hora.
Não é apenas estar junto, é saber estar junto. É mais do que contar histórias, é ser a própria história. O contexto, a gentileza, o apego, a garra, a força e a fissura se misturam e se interpenetram no caldeirão de sentimentos.
Não esqueça de que a mulher tem um ouvido imaginativo, um ouvido musical. É pela audição que ela sonha e se observa. Não passe pelas sucessivas transas repetindo o repertório de bichos e ofensas. É um tédio atravessar anos de relacionamento escutando quatro palavras recorrentes sem parar no quarto. Amplie o vocabulário. A fala é o motor da língua.
Nem ouse ser preconceituoso e supor que ela é delicada e frágil, a mulher é selvagem e tem outras várias por dentro. No sexo, todos somos bipolares.
Você só tem uma única missão na cama: não atrapalhar o orgasmo dela. E não é uma tarefa fácil.
Fabrício Carpinejar

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

QUANDO EU ESTIVER LOUCO, SE AFASTE

Há que se respeitar quem sofre de depressão, distimia, bipolaridade e demais transtornos psíquicos que afetam parte da população. Muitos desses pacientes recorrem à ajuda terapêutica e se medicam a fim de minimizar os efeitos desastrosos que respingam em suas relações profissionais e pessoais. Conseguem tornar, assim, mais tranquila a convivência.
Mas tem um grupo que está longe de ser doente: são os que simplesmente se autointitulam “difíceis” com o propósito de facilitar para o lado deles. São os temperamentais que não estão seriamente comprometidos por uma disfunção psíquica – ao menos, não que se saiba, já que não possuem diagnóstico. São morrinhas, apenas. Seja por alguma insegurança trazida da infância, ou por narcisismo crônico, ou ainda por terem herdado um gênio desgraçado, se decretam “difíceis” e quem estiver por perto que se adapte. Que vida mole, não?
Tem uma música bonita do Skank que começa dizendo: “Quando eu estiver triste, simplesmente me abrace/ quando eu estiver louco, subitamente se afaste/ quando eu estiver fogo/ suavemente se encaixe…”. A letra é poética, sem dúvida, mas é o melô do folgado. Você é obrigada a reagir conforme o humor da criatura.
Antigamente, quando uma amiga, um namorado ou um parente declarava-se uma pessoa difícil, eu relevava. Ora, estava previamente explicada a razão de o infeliz entornar o caldo, promover discussões, criar briga do nada, encasquetar com besteira. Era alguém difícil, coitado. E teve a gentileza de avisar antes. Como não perdoar?
Já fui muito boazinha, lembro bem.
Hoje em dia, se alguém chegar perto de mim avisando “sou uma pessoa difícil”, desejo sorte e desapareço em três segundos. Já gastei minha cota de paciência com esses difíceis que utilizam seu temperamento infantil e autocentrado como álibi para passar por cima dos sentimentos dos outros feito um trator, sem ligar a mínima se estão magoando – e claro que esses “outros” são seus afetos mais íntimos, pois com colegas e conhecidos eles são uns doces, a tal “dificuldade” que lhes caracteriza some como num passe de mágica. Onde foi parar o ogro que estava aqui?
Chega-se a uma etapa da vida em que ser misericordioso cansa. Se a pessoa é difícil, é porque está se levando a sério demais. Será que já não tem idade para controlar seu egocentrismo? Se não controla, é porque não está muito interessada em investir em suas relações. Já que ficam loucos a torto e direito, só nos resta se afastar, mesmo. E investir em pessoas alegres, educadas, divertidas e que não desperdiçam nosso tempo com draminhas repetitivos, dos quais já se conhece o final: sempre sobra para nós, os fáceis.
Martha Medeiros