"Alguns pais fazem questão até de vencer os filhos
nos esportes para acostumá-los às agruras da vida, como se a vida já não
destruísse nossa autoestima o suficiente"
Uma semana depois de minha esposa e eu decidirmos começar
uma família, entramos numa livraria e compramos dois livros sobre como educar
filhos. Por uma série de razões os dois filhos só nasceram seis anos depois e
acabamos lendo não dois, mas 36 livros. Se dependesse de teoria, estávamos
preparados. Hoje eles estão crescidos e um amigo me perguntou que livros nós
havíamos utilizado mais. Foi uma boa pergunta a que demorei a responder.
Usamos um livro só, um que educava mais os pais do que os filhos. Intitula-se
A AutoEstima do Seu Filho, de Dorothy Briggs, e o título já diz tudo.
A tese do livro é como agir para nunca reduzir a
autoestima de seu filho: elogiá-lo frequentemente, ouvir sempre suas pequenas
conquistas, festejar suas pequenas vitórias, nunca mentir ou exagerar nesse
intento, em suma mostrar aos filhos seu verdadeiro valor. Ao contrário do que
defendem os demais livros, não é uma boa educação, nem disciplina, nem muito
amor e carinho ou uma família bem estruturada que determinam o sucesso de nossos
filhos, embora tudo isso ajude.
A sacada mais importante do livro, no nosso entender, foi
a constatação de que os filhos já nascem com uma elevada autoestima, e que
são os pais que irão sistematicamente arruiná-la com frases como: "Seu
imbecil!", "Será que você nunca aprende?", "Você ficou
surda?". Jean-Jacques Rousseau errou quando disse que "o homem
nasce bom, mas a sociedade o corrompe". São os próprios pais que se
encarregam de fazer o estrago.
Por exemplo: você, pai ou mãe, chega do trabalho e encontra
seu filho pendurado na cadeira: "Desça já, seu idiota, vai torcer o
pescoço". Para Dorothy, o politicamente correto seria: "Desça já,
tenho medo de que você possa se machucar". Primeiro porque seu filho não
é um idiota, ele assume riscos calculados. Segundo, são os pais, com suas
neuroses de segurança, que têm medo de cadeiras.
Quando nossos dois filhos começaram a aprender a pular,
entre 3 e 4 anos de idade, desafiava-os para um campeonato de salto a
distância. Depois de algumas rodadas, seguindo a filosofia do livro,
deixava-os ganhar. Ficavam muito felizes, mas qual não foi minha surpresa
quando, na sétima ou oitava rodada, eles começavam a me dar uma colher de
chá, deixando que eu ganhasse. Que lição de cidadania: criança com boa
autoestima não é egoísta e se torna solidária.
Eu não tenho a menor dúvida de que os problemas que temos
no Brasil em termos de ganância empresarial, ânsia em ficar rico a qualquer
custo que leva à corrupção, advêm de um pai ou uma mãe que nunca se
preocuparam com a autoestima dos filhos.
Eu acho que políticos, professores e intelectuais, na
maioria desesperados em se auto-promover, jamais darão oportunidade para
outros vencerem, como até crianças de 3 anos são capazes de fazer. A fogueira
das vaidades só atinge os inseguros com baixa autoestima.
Alguns pais fazem questão até de vencer os filhos nos
esportes para acostumá-los às agruras da vida, como se a vida já não
destruísse nossa autoestima o suficiente.
A teoria é simples, mas a prática é complicada. Uma frase
desastrada pode arruinar o efeito de cinquenta elogios bem dados. "Meu
marido queria que o segundo filho fosse um menino, mas veio uma menina."
Imaginem o efeito dessa frase na autoestima da filha. Portanto, quanto mais
cedo consolidar a autoestima melhor.
Essa tese, porém, tem seus inconvenientes. Agora que meus
filhos são muito mais espertos, inteligentes e observadores do que eu, tenho
de ouvir frases como "É isso aí, pai", "Faremos do seu jeito,
pai", tentativas bem-intencionadas de restaurar minha abalada autoestima.
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